Relato de parto: Rachel e Lucas - 27-05-11

Relato de parto: Rachel, Fred e a chegada do Lucas


Engravidamos!!! A emoção era única, pois vivíamos o melhor momento das nossas vidas para a gravidez. Depois de mais de cinco anos morando longe da família (no Panamá), finalmente havíamos decidido retornar ao Brasil. Havia dois meses que eu já estava de licença do meu emprego e com um nível de
estresse muito menor do que o vivido anteriormente. Acho que esse foi um dos motivos pelos quais, no primeiro mês de tentativa, logo conseguimos.

Eu estava acompanhada pelo meu ginecologista panamenho, favorável ao parto normal, mas já sabíamos que nosso bebê seria 100% brasileiro e eu estava feliz porque realizaria meu pré-natal e o parto com o obstetra da família em São Paulo. Meus pensamentos sobre o parto? Gostaria que fosse normal, mas se
não desse certo enfrentaria uma cesárea, tão comum nas maternidades particulares de São Paulo.

O médico do Panamá queria ter certeza que a gestação estava bem antes de berar a viagem de volta ao Brasil. No ano anterior, perdemos um bebê com nove semanas de gestação num processo bastante traumático, e esse fantasma voltava para nos assustar. O médico receitou progesterona logo que
descobrimos a gravidez (com cinco semanas) e marcou uma ultrassonografia poucos dias antes da data da nossa mudança. Felizmente já pudemos até ouvir o coraçãozinho do bebê. Choramos de tanta alegria!

Logo que chegamos ao Brasil marquei ansiosa minha consulta com o obstetra,  ginecologista meu e da minha mãe há muitos anos. Perguntamos sobre o parto normal e sua resposta foi um pouco evasiva, algo semelhante ao “não dá para saber ainda, dependerá de muitos fatores como a posição do bebê.” Escutei
atenta às orientações e desisti de buscar mais informação, afinal de contas ele me orientou que não dava para fazer nada por enquanto.

Empenhei-me em manter uma gestação saudável, me alimentando bem, controlando estresse, fazendo natação e praticando Yoga. As consultas pré-natais seguiam mensalmente. A cada consulta, mesma seqüencia: dúvidas e respostas eficientes, mas rápidas. Pesar, medir a pressão, e felizmente tudo bem, nos
veremos mês que vem. Lembro que numa das consultas pedi indicação de um curso de preparo para o parto normal. A resposta: “Não se preocupe por isso, eu te guiarei durante o parto e te direi o que fazer”. Saí da consulta
frustrada... Como assim? Não há forma de me preparar ou minimamente saber ou prever o que iria acontecer durante o trabalho de parto e o parto?

Minhas intuições me indicavam que algo estava estranho, mas não sabia exatamente o quê fazer. Eu já conhecia muitas histórias de mulheres que desejavam ter um parto normal e acabaram sofrendo cesáreas, cuja indicação médica desconheço se foi justificável ou desnecessária (ou “desnecesárea”, um apelido perfeito que aprendi depois).

Meus anjos da guarda iluminaram meu caminho. Minha então professora de Yoga me recomendou conhecer a Casa Moara, local onde sua filha tinha praticado Yoga específica para gestantes e, com a equipe médica de lá, tinha dado à luz num parto natural humanizado maravilhoso. Ela me passou o contato da Kátia (Kátia Barga, Doula e professora de Yoga e Baby yoga), reforçando que ela seria a pessoa ideal para me ajudar.

Mas não foi de uma vez que tomei a decisão de ir à Casa Moara. Na época estávamos visitando maternidades para escolher em qual teríamos nosso parto, e questionávamos os procedimentos tão padronizados, o baixo número de partos normais, a falta de privacidade e intimidade com fotógrafos, filmagens e partos ao vivo pela internet. Até que uma situação particular numa das consultas com o obstetra me fez repensar nossa escolha médica.

Há quase 15 anos, eu já tinha entrado em contato com a humanização no parto e, ainda que não fosse ativista, conhecia os direitos da mulher. Sabia que o movimento já havia evoluído bastante, especialmente no Brasil, com experiências consideradas modelo para muitos países. Ingenuamente, assumi que meu médico seguiria essa corrente e resolvi conversar sobre detalhes do meu parto. No Panamá, eu trabalhava com nutrição materno-infantil numa agência humanitária da ONU, estava em contato com a iniciativa Hospital
Amigo da Criança com a UNICEF e a Organização Mundial da Saúde (OMS) e divulgava rotineiramente um vídeo sobre práticas durante o parto que melhoram a nutrição das mamães e dos bebês (por exemplo, aguardar alguns minutos antes de cortar o cordão umbilical para permitir passagem adicional de sangue da placenta para o bebê, e assim prevenir a anemia em crianças menores de um ano; incentivar o aleitamento materno na primeira hora de vida, entre outras práticas). Resolvi entregar uma cópia deste vídeo para meu obstetra, com alguns folhetos da OMS, sugerindo que essas práticas pudessem ser realizadas no meu parto. Ele não demonstrou interesse pelo assunto, e eu saí da consulta me sentindo constrangida, como se eu não
tivesse o direito de pedir nada durante o meu parto.

Apesar de não dever ser assim, eu sabia que, se o Lucas não nascesse através de um parto normal, dificilmente eu conseguiria amamentar meu bebê e fazer contato pele a pele nas primeiras horas de vida numa maternidade particular de São Paulo. Esperar para ver poderia ser muito arriscado! Eu já estava
entrando no último trimestre e urgentemente necessitava mais informação. Finalmente nos organizamos para assistir a uma reunião na Casa Moara. E amamos! A energia do lugar, as lindas fotos dos nascimentos humanizados, os casais grávidos e sua cumplicidade, tudo foi muito especial. A competência, o carinho e a segurança da equipe de profissionais nos conquistaram. Todos pareciam falar uma mesma linguagem que eu queria muito aprender. Esse era o espaço que eu tanto buscava e me senti muito acolhida. Conversei com outras mães e, embora a decisão da troca de médico demorasse ainda algumas semanas, decidi rapidamente que começaria a fazer Yoga lá e não perderia mais nenhum encontro de gestantes.

Conversei muito com o Katia durante o processo de repensar minhas escolhas,e já estava definido que ela me acompanharia como Doula. Mas e o resto da equipe, quem seria? Será que seguiria com meu então obstetra, e será que ele concordaria em realizar meu parto com a presença de uma Doula? Será que minha família me apoiaria numa eventual troca de médico a estas alturas da gestação? Será que poderíamos arcar com custos adicionais (o anterior obstetra aceitava o nosso convênio de saúde) e quanto seria?

Comecei pelo fundamental. Na consulta seguinte, usei cinco perguntas-teste para avaliar a disposição do meu obstetra em realizar um parto normal, perguntas que foram preparadas pelo Dr JK  e sua equipe. E não deu outra: em todas as respostas, o obstetra foi indicando claramente sua preferência pela cesárea, como a opção mais segura. Sou muito grata pela sua sinceridade. Então a decisão cabia a mim. É difícil julgá-lo, pois não quero ser categórica que existe só um Certo e um Errado absolutos. Porém, para cada mulher existe um Certo, o que ela acredita e julga correto para si mesma, e assim pode escolher qual caminho considera mais adequado para a sua vida. E foi assim que, no sétimo mês de gestação, decidi que não realizaria meu parto com este obstetra.

Pouco a pouco fui convencendo a minha família da minha escolha, através de fatos, relatos de parto e até levando-os aos encontros na Moara. Também fizemos contas, revisamos orçamentos e finalmente decidimos priorizar o nascimento do nosso bebê com uma equipe humanizada. Conseguir o apoio do meu marido e da minha mãe foi fundamental para me encorajar. Felizmente meus dois irmãos nasceram de partos normais e ela era totalmente a favor.

Mas não era simplesmente um parto normal que eu buscava. Era um parto humanizado! Recebi algumas recomendações e facilmente decidimos que queríamos a MK como nossa obstetriz (parteira), pois nos encantamos por ela nos encontros de gestantes. Sempre serena e absolutamente segura em todos os temas da obstetrícia! Além dela e da Doula, como optamos por um parto hospitalar, precisávamos também de um médico na equipe.
Realizei consultas com dois profissionais e adoramos a Dra AC.
Sua energia, competência e positivismo nos cativaram.

Num dos encontros de gestantes, conheci o Dr Douglas (pediatra e neonatologista) e foi assim que tomamos mais uma decisão acertada: ter um pediatra humanizado na equipe do parto. Finalmente encontramos um médico que não só sabia, como seguia todas as recomendações pediátricas da OMS!
Marcamos uma consulta pré-natal com ele, tiramos todas as dúvidas e decidimos que sua presença seria fundamental no nosso parto para assegurar o melhor início de vida para o Lucas.

E assim, com a equipe fechada, passamos as últimas semanas de gestação muito felizes e seguros. A cada consulta com a Marcia e a Andrea, eu e o Fred vislumbrávamos um mundo de informação, todas as nossas dúvidas eram sanadas e a cada dia estávamos mais confiantes. Aprendemos tanto nessas poucas semanas... E agradeço também ao meu pequeno Lucas que, mesmo antes de nascer, já me abriu tantas possibilidades e me permitiu conhecer tanto de uma causa apaixonante.

Na 33ª semana, um susto: na ultrassonografia de rotina, o Lucas foi avaliado como pequeno para a idade gestacional, no percentil quatro, o que poderia representar um problema no crescimento dele ou na placenta, por exemplo.
Além disso, comecei a ter cólicas diárias (semelhantes a cólicas menstruais). Repetimos o exame de duas em duas semanas, para monitorar.
Descobrimos que as estimações de peso do feto por ultrassonografia são passíveis de erros da ordem de 10% (ou até mais) e torcemos para que todos estivessem subestimando o tamanho do nosso bebê!

Era de fato recomendável que a gestação não se prolongasse muito, do contrário seria indicada a indução do parto, pois no final da gestação a placenta já começa a apresentar sinais de maturidade que podem comprometer seu funcionamento perfeito. No final das 38 semanas, para estimular o trabalho de parto (TP), começamos com homeopatia e acupuntura. Na consulta, a MK fez uma massagem no colo de útero com óleo de prímoris, rico em prostaglandinas. Não senti nenhuma dor, já estava com 1 cm de dilatação e com o colo molinho, porém ainda espesso. As cólicas aumentaram a cada dia (os famosos pródromos) e minha ansiedade também.

Dois dias depois da massagem (39 semanas e 1 dia), acordei com uma cólica forte cuja dor irradiava na lombar. Cerca de duas horas depois sentia cólicas fracas e ritmadas a cada 5-6 minutos! Liguei para a Doula, na expectativa se seria o início do TP. Tomei uma ducha morna e descansei, conforme a Katia recomendou. E era um alarme falso... As cólicas pararam logo depois. Foi aí que percebemos a importância de estarmos bem informados, pois do contrário correríamos para o hospital e as chances de nos levarem
para uma cesárea eram altas.

Segui com a Yoga, caminhando e tentando controlar a ansiedade, pois não queria a indução. Receava as dores mais intensas das contrações resultantes da indução do TP e, mais que tudo, desejava que o Lucas nascesse no dia que ele quisesse nascer! Passaram-se mais dez dias e, no domingo 22 de maio (40  semanas e 3 dias), deveríamos repetir o ultrassom e fazer uma cardiotocografia. Fomos para o hospital São Luís e sabíamos que, dependendo do resultado, a indução poderia iniciar-se nessa mesma noite. Que ansiedade!
Passamos umas cinco horas lá, rezamos muito, e felizmente a gestação estava  ótima. O exame indicou que o Lucas estava com cerca de 3200g, bem mais pesadinho. Desconfiamos um pouco deste súbito crescimento, mas felizmente poderíamos seguir esperando alguns dias mais.

Os pródromos continuavam e nada do Lucas querer nascer! A médica chegou a realizar o descolamento de membranas, uma manipulação no segmento inferior do útero para estimular o TP. Tive um pouco de medo desse procedimento, e ela me acalmou dizendo que ajudaria a engrenar o TP se já fosse o momento.
Foi dolorido, as cólicas aumentaram, mas ainda irregulares. Ela repetiu a manobra no final das 40 semanas, e viu que eu já estava com 2 a 3 cm de dilatação. Minha pressão arterial estava mais alta que o normal e ganhamos mais um motivo de preocupação...

A Kátia então me recomendou escrever uma cartinha à minha barriga, expondo meus medos e desejos, um processo de desapego da gestação para emocionalmente consentir com a chegada do parto. E foi o que fiz na véspera de completar 41 semanas (25 de maio), logo depois da consulta com a AC e sentindo pródromos mais doloridos provavelmente em resposta ao descolamento de membranas. Escrevi para meu bebê, expondo meus medos da maternidade que se iniciava com a sua chegada e contando que a sua gestação foi o período mais feliz da minha vida até então!

No entardecer deste mesmo dia, comecei a sentir mais cólicas e pedi para o Fred não demorar em voltar do trabalho. Ele estava otimista e dizia que era o começo do TP! Eu não tinha certeza. Acordei durante a madrugada por fim desejando verdadeiramente que o TP iniciasse. Rezei muito para São Lucas.
Olhei no relógio, eram 4 horas da manhã. E nos minutos imediatamente seguintes comecei a sentir cólicas mais fortes que irradiavam para a região da lombar. Voltei a cochilar, e assim que o Fred acordou, às 6 horas, começamos a cronometrar. Não estavam muito ritmadas, algumas a cada 7 ou 8 minutos. Será que o TP estava começando?

Esperei até o inicio da manhã para avisar a Katia, que foi monitorando a siituação por telefone. Segui seu conselho: comi e procurei descansar. O Fred ficou comigo, trabalhando de casa. Contávamos cada contração, e no meio da manhã já precisava que ele me ajudasse com as dores na lombar, fazendo massagens. Tive vontade de ir ao banheiro, e vi que o tampão tinha começado a sair. Tomei uma ducha para relaxar. Continuamos cronometrando as contrações, e o ritmo foi aumentando para cada 6 minutos. Lembro-me de conversar com o Fred dizendo que ainda estava sem saber se era o TP ou não,
pois os pródromos me confundiram muito... Ele disse que já não tinha dúvidas, que o Lucas ia nascer logo! Fiz nosso almoço, comi um pouco e me sentia bem, só com as dores na lombar que precisavam de massagem a cada contração.

Às 14 horas a Katia chegou à nossa casa. Ela me viu tendo algumas conntrações, falou com a MK por telefone e nos ajudou a relaxar, conversando nos intervalos e dando orientações. As contrações se mantinham a cada 6 minutos mais ou menos, e as dores aumentando paulatinamente. As massagens na lombar e nas costas eram imprescindíveis para que eu suportasse as dores. Tentei permanecer em pé, sentada, deitada, sobre a bola, sobre almofadas, de quatro, e a melhor posição era de pé, apoiada no Fred. Nos intervalos eu estava ótima, conversando e descontraída. A Katia até disse que eu ainda estava muito bem-humorada, ou seja, que o TP estava ainda muito no começo!

Ao longo da tarde as dores foram ficando cada vez mais intensas, e às 17 horas o ritmo estava a cada 5 minutos. Comecei a sentir muita vontade de ir ao banheiro a cada contração, o que chamou a atenção da Katia, já que ainda era muito cedo para entrar na fase expulsiva. Decidimos não esperar muito
para ir ao Hospital São Luis, e meu bom-humor começou a desaparecer. Já estava anoitecendo e fui tomar uma ducha quente à luz de velas para relaxar.
Senti três contrações bem fortes, estando sozinha. Comecei a cantar o mantra Ôm durante as contrações, e percebi que isso aliviava as dores, pois eu me concentrava na respiração e na vibração do mantra. E foi assim que não parei mais de cantar Ôm durante praticamente todo o TP!

Às 19 horas decidimos partir para o hospital. Como a bolsa estava intacta, forramos o banco do carro com plástico, me acomodaram com alguns travesseiros e lá fomos nós enfrentar o trânsito de São Paulo com contrações fortes. Essa foi uma parte bem difícil do TP, pois os movimentos do carro faziam com que as dores aumentassem muito.


na sala de admissão do São Luiz
 Na entrada do hospital, a MK já estava nos esperando. Que alegria encontrá-la! Fomos para a sala de triagem, ela fez o cardiotoco e o exame de toque. Eu estava com receio que ainda não tivesse dilatação suficiente para ser internada. Felizmente eu já estava com 5 cm. Porém minha alegria durou pouco, pois a MK disse que podia ser que voltássemos para casa, já que as contrações não estavam parecendo fortes o suficiente. E de novo comecei a rezar para São Lucas, pedindo contrações ainda mais intensas! Estava bem
consciente e confiante. Além disso, o cardiotoco não estava monitorando muito bem as contrações, e ao consertar o aparelho finalmente elas apareceram no exame. A MK também viu que meu colo do útero estava voltado para trás, era isso que disparava a minha vontade de ir ao banheiro a cada contração. Ela fez uma manobra para puxá-lo para frente e doeu um pouco. Uma sessão de acupuntura poderia ajudar no TP e a Dra Eneida confirmou que nos encontraria logo. Mais um susto: o cardiotoco indicou algumas bradicardias do Lucas durante as contrações, e definitivamente deveríamos ficar no hospital. Talvez fosse necessário romper a bolsa para avaliar o liquido amniótico e decidir se precisaríamos acelerar o TP caso
houvesse indícios de sofrimento fetal.

No total ficamos duas horas na triagem, entre os exames e a liberação da internação. Às 22 horas subimos para o centro obstétrico (CO). A MK e o Fred foram trocar de roupa e a Katia me conduziu pelos corredores do hospital, sempre ajudando com massagens a cada contração. Foi nesse momento que tive meu primeiro colapso nervoso, ao passar pela entrada do CO.
Lembrei-me da única vez que havia entrado num centro cirúrgico antes, que foi no aborto da minha gestação anterior. Parei de andar, comecei a chorar e olhei fundo nos olhos da Katia dizendo que estava com muito medo. Ela foi fundamental ali, me resgatou dos meus traumas profundos, e me deu a confiança para seguir caminhando.

Logo encontramos a AC, na entrada da Delivery (suíte de parto natural do São Luis), e me acalmei um pouco. Achei linda a suíte e fiquei bastante feliz por estar disponível naquela noite. Em seguida, a médica confirmou que deveríamos sim romper a bolsa. Não gostei nada da idéia e tive receio, embora ela indicasse que o procedimento seria indolor. Deitei-me e fechei os olhos, assustada. Ela rompeu a bolsa, senti o calorzinho do líquido saindo e ela me mostrou que felizmente estava tudo ótimo, o líquido bem clarinho. Só
que, a partir desse momento, tudo mudou dentro de mim. Eu já não podia prestar atenção à minha volta, entrei num estado de consciência muito distante e interiorizado. De fato o rompimento da bolsa quase não doeu, mas as contrações seguintes foram muito mais intensas e eu já não podia distinguir nada. Eu estava com muito medo e as dores muito fortes. Minhas pernas tremiam, meu corpo inteiro tremia e já não era capaz de me concentrar. Permaneci de olhos fechados, tentando cantar Ôm com a respiração ofegante e, pelo meu estado emocional, não conseguia mais relaxar nos intervalos das contrações.

Em seguida ligaram um cardiotoco, e assim tive que ficar deitada na cama. Enquanto isso a Eneida iniciou a acupuntura e tenho vagas lembranças desses aproximados 30 minutos. Tive a impressão que muito tempo se passou, pois as contrações seguiam fortíssimas e com pouco intervalo. Num determinado momento, eu verbalizei o quanto estava com medo, e ambas Eneida e Marcia buscaram, na mesma hora, suas gotinhas homeopáticas para me ajudar. Pouco a pouco fui me acostumando com o novo ritmo de concentrações, a acupuntura foi ajudando a me equilibrar e recuperar a consciência. Um novo exame de toque, e eu estava com 6 cm de dilatação. O colo tinha voltado novamente para trás e necessitava mais uma manobra para recolocá-lo para frente, alinhado com o canal vaginal a fim de tornar as contrações mais eficientes. E essa
manipulação durante uma contração era extremamente dolorida! Definitivamente eu já não queria mais ficar deitada. Gritei para tirarem daquela cama, e em poucos segundos já havia quatro pessoas me ajudando a ir para a banheira.

Que banheira deliciosa, pensei. Ambiente escuro, luzes relaxantes coloridas dentro da água, temperatura agradável, imaginei que finalmente iria relaxar um pouco. Tive algumas contrações mais leves assim que entrei na água e de verdade pude descansar nesses primeiros minutos. Cantávamos juntos, Fred e eu, o mantra Ôm a cada contração, num ambiente muito acolhedor. Porém, logo as contrações voltaram cada vez mais fortes e com intervalos mais curtos, estavam a cada 2 ou 3 minutos, e duravam bastante. Eu mudava de posição na água, ganhava massagens, eu afundava a cabeça, mas nada melhorava. Sentia que não havia pausa entre uma contração e outra, novamente não podia descansar nos curtos intervalos em que comecei a ter medo da próxima contração. A Kátia me ajudava dizendo que elas eram bem-vindas, pois trariam o Lucas: quanto mais fortes elas fossem, mais próxima eu estava da chegada do meu bebê. Mas mesmo assim não estava mais agüentando. Cantar (na verdade eu já estava gritando) Ôm já não resolvia, e eu rezava agora para Deus e São Lucas rogando mais intervalos entre cada contração, uma pausa no TP. Não sei
ao certo quanto tempo passou desde que entrei na banheira, talvez uma hora de dores intensas. Examinaram-me e eu seguia com 6 cm. Acho que esse momento foi o mais difícil do TP, pois depois de agüentar tanta dor eu ainda seguia com a mesma dilatação! A Katia praticamente teve que fazer uma sessão de psicoterapia ali comigo, fomos resgatando meus medos mais profundos da maternidade e da chegada do Lucas. Eu precisava deixá-lo nascer! Eu precisava cada vez mais do Fred e seus carinhos, que serviam como uma injeção de ocitocina para acelerar a minha dilatação.

Com dores na lombar que me atravessavam por dentro a cada contração, gritava cada vez mais alto, puxando força interior. Nunca imaginei que gritaria assim. Comecei a pensar na analgesia e, uma vez que esse pensamento veio na minha mente, não pude mais tirá-lo. Recebi uma homeopatia para o colo do útero, a equipe conversou muito comigo indicando para aguardar para ver se realmente a analgesia seria necessária. Ainda tentaram uma nova manipulação no colo para ajudar no TP, lembro da Marcia falando que o colo já estava praticamente apagado e eu pedindo para ela tirar a mão, pois vinha uma nova contração e não podia suportar mais nada. Tinha muitas náuseas. Felizmente tinha feito refeições leves durante o dia e não cheguei a vomitar.

Estava tudo muito intenso. Durante as contrações, seguia só pensando na analgesia! Quando eu finalmente me decido por uma coisa, é muito difícil me fazer voltar atrás... E todos conversando comigo, tentando me acalmar.
Lembro de finalmente falar brava que não queria mais escutar nada, nenhum argumento, que eu queria um alívio e ponto final, já chega! Cada contração se tornou praticamente impossível de suportar quando minha mente já não encontrava mais razão para suportá-la. Passaram vários minutos até localizarem o anestesista da equipe, mas na minha percepção isso foi uma eternidade.

Saí finalmente da banheira e voltei para a cama. Olhei no relógio:  meia-noite e meia, já era dia 27 de maio. Examinaram-me e eu já estava com 9 para 10 cm! Ou seja, em pouco mais de uma hora eu tinha passado de 6 cm para praticamente dilatação total, por isso estava sendo tudo tão intenso e dolorido. Além disso, o Lucas já estava bem baixo, agora faltava pouco!

Sentei-me de pernas cruzadas para a aplicação da analgesia. Sentia muito calor e meus cabelos molhados pingavam refrescantes gotas no meu ventre.
Comecei a recuperar minha confiança. O anestesista chegou e indicou que eu poderia fazer qualquer coisa quando viesse uma contração, menos mover meu tronco ou colocar minhas mãos nas costas. E era exatamente isso que eu estava fazendo durante as contrações! Seguraram fortemente minhas mãos,
senti ainda umas três contrações intensas sem poder me mexer, mas a esperança de que seriam as últimas me deu forças para agüentar as dores naquela posição ingrata. A aplicação da peridural foi muito suave, não senti nenhuma agulha, nenhum calor ou pressão na coluna, nada. Na verdade, não havia comparação entre as dores das contrações e as da aplicação da analgesia. Deitei-me para a medicação fazer efeito, e fui sentindo cada contração vir trazendo menos dor, progressivamente. Colocaram-me de novo num cardiotoco e, a partir desse momento até o nascimento do Lucas, estive deitada sendo monitorada constantemente quanto à minha pressão arterial e freqüência cardíaca. Também me aplicaram um suprimento extra de oxigênio no meu nariz para garantir a oxigenação na placenta. A dose da analgesia foi bastante adequada, pois sentia as contrações, sentia e podia mover minhas pernas, e as dores já eram bem fracas. Voltei a sorrir, recuperei minha consciência e meu bom-humor. Um novo exame às 00:55 e já estava com dilatação total! Felizmente o momento da aplicação da analgesia foi perfeito, pois não interferiu na fase ativa nem na transição do TP.

Estava entrando na fase expulsiva. Como já não sentia direito o momento de fazer força, a Andrea foi me ensinando e guiando. Fiz uma força só e a cabecinha do Lucas já estava descendo. E então todos me pediram para parar de fazer força, pois o pediatra ainda não havia chegado! Recordo-me do diálogo entre o anestesista e a AV: “-E onde está o Douglas?” “- Saindo da cada dele.” “- E onde ele mora?” “- Na Pompéia.” Pensei: “Meu Deus, da Pompéia ao Itaim? Mas é justamente o Douglas que vai assegurar o início de vida humanizado do Lucas! Não posso nem imaginar, a essas alturas, chamar um pediatra plantonista do hospital e correr o risco de arruinar os momentos tão sagrados dos primeiros minutos de vida do meu bebê. Tenho que segurar a força!”

Por sorte era madrugada e não haveria trânsito... Como já estava com a analgesia, simplesmente relaxei e avisava cada vez que sentia as contrações chegando, praticamente indolores. E então nós todos passamos a seguinte meia-hora descontraídos e conversando, esperando pelo Douglas. A AC até fazia tricô! Eu olhava no relógio a cada 5 minutos, pois agora sim estávamos realmente muito próximos de conhecer nosso pequeno Lucas.

Assim que o pediatra chegou, fui para a posição de cócoras no banquinho apoiado sobre a cama, uma posição bem confortável em que a força para empurrar (puxo) é facilitada. A equipe se posicionou com a Andrea sentada na cama exatamente na minha frente, a MK à minha esquerda e o Fred à direita. Ele estava calmo, me abraçava e fazia carinhos, sorrindo e otimista. Estávamos à meia-luz, um ambiente de muito respeito e confiança.
Esperamos pela próxima contração, fiz algumas forças e todos falavam palavras de muito incentivo. O Lucas já estava descendo! Ainda escutávamos seus batimentos pelo cardiotoco, era emocionante. Pedi um espelho para poder ver o que estava acontecendo, e me surpreendi e me encantei ao ver a cabecinha dele aparecendo, uma injeção de ânimo para aumentar ainda mais a vontade de empurrar.

Quando a contração passou, parei de fazer força. O nascimento do Lucas  estava muito próximo. Enquanto esperava pela contração seguinte, tive um momento de êxtase: fazer os primeiros carinhos no meu bebê, tocando e acariciando sua cabeça e seus cabelinhos! Não parava de falar com ele, chamando-o de meu amor, avisando que a mamãe estava ali e chamando-o para os meus braços. Neste momento mágico, era como se não houvesse mais nada nem ninguém naquela sala, éramos somente nós dois, aguardando os últimos minutos para finalmente olharmos um nos olhos do outro.

Delicadamente tiraram todos os monitores aos quais eu estava ligada. Passaram um pouco de vaselina líquida em volta da cabecinha do bebê.
Felizmente meu períneo estava muito relaxado com a analgesia. O Fred me beijava e fazia carinhos na minha perna. Desde que fui para a posição de cócoras, passaram-se cerca de 10 minutos. Na contração seguinte, fiz algumas forças até que com facilidade, olhando pelo espelho. E emocionantemente, o
Lucas nasceu! Primeiro a cabecinha e em seguida os ombrinhos e o corpinho.
Meu pequenino nasceu! Abaixei para pegá-lo e trazê-lo para meus braços, olhando fundo nos seus olhos e falando docemente com ele. Era 01:42 do dia 27 de maio de 2011. Ele não chorou, ficou 1 minuto apoiado sobre o meu peito e logo o Fred cortou o cordão umbilical. O pediatra precisava avaliar por
que ele estava um pouco hipotônico, mas foi questão de segundos, pois imediatamente começamos a ouvir seu chorinho e o Douglas trouxe o Lucas para o contato pele a pele comigo. Jamais esquecerei seus olhinhos bem abertos fixos nos meus, sua mãozinha no meu peito... Eu beijava e acariciava-o muito, falava o quanto ele será feliz nesse mundo, e escorriam lágrimas do Fred que nos abraçava. Todos à nossa volta respeitaram esse momento de
profunda intimidade, para mim era como se mais nada existisse, somente o
Lucas, o Fred e eu.

Nem vi, nem senti a placenta sair. Logo a Andrea comentou que não sofri nenhuma laceração, que meu períneo estava totalmente íntegro. Valeram a pena toda a preparação e os exercícios com o Epi-No desde a 36ª semana!

Cerca de 40 minutos depois de nascer, o Lucas começou a mamar, bem espertinho e com os olhinhos bem abertos. O pediatra ficou ao nosso lado, ensinando e ajustando para a pega correta. Fundamental para acertarmos. Enquanto mamava por primeira vez, o Lucas segurava o dedinho do pai e
conversávamos amorosamente. Permanecemos os três juntos nos namorando por umas quatro horas, até que levaram o Lucas para dar entrada no berçário central. Eu me sentia ótima, bem-disposta, e com muita sede. Algumas horas depois nos trouxeram nosso bebê, e desde então ele permaneceu o tempo todo
conosco com aleitamento materno a livre demanda.

Nas manhãs seguintes, o Douglas nos visitou ensinando o papai a dar banho no Lucas, de balde e de chuveiro. Ele simplesmente amou, recostando sua cabecinha para trás entregando-se completamente ao momento com plena confiança em nós. E dois dias após o nascimento, dia em que o Fred completou
seu 35º aniversário, trouxemos nosso maior presente para casa.

Ao repensar os fatos, agradeci aos céus pelas decisões tomadas oportunamente. Eu teria motivos para sofrer uma “desnecesárea”: as estimações de baixo peso do Lucas; a gestação que se prolongou até a 41ª
semana; as bradicardias em algumas contrações durante o TP; minha pressão arterial um pouco mais alta na véspera do início do TP; os pródromos por várias semanas e o alarme falso com 40 semanas. Nenhum deles realmente justificaria uma cirurgia cesariana, e felizmente todos nós confiamos na
sabedoria da natureza e assim pudemos Lucas e eu juntos trilhar seu nascimento com o mínimo de intervenções médicas necessárias.

O Lucas pesou 2880g e mediu 50,5 cm. Seu Apgar foi 8/9 e na hora pensei que talvez a analgesia tenha interferido de alguma forma, embora o pediatra me tranqüilizasse indicando que não. Espero que não. Prefiro acreditar que a decisão de pedir a analgesia foi correta naquele momento, para não carregar culpas nem arrependimentos, pois sei que fiz meu melhor. De fato, se Deus me conceder a graça de viver outra gestação e parto, e eles forem idênticos aos vividos com o Lucas, eu estarei muito feliz. Creio que esse sentimento é o que resume toda a minha experiência. A vontade de viver tudo novamente, exatamente de novo todos os detalhes, e assim repetir cada segundo da sublime jornada que começou com muito amor desde a concepção do Lucas. Do nosso anjo Lucas, que mesmo tão pequeno já trouxe tanta luz à nossa família e que, exatamente no instante em que escrevo essas linhas, dorme docemente
ao meu lado completando seu primeiro mês de vida.
Agradeço especialmente a ele, Lucas, por ter me escolhido como mãe e assim me permitir viver a maior felicidade de toda a minha vida. Fizemos um belo trabalho juntos, o primeiro de toda uma vida que acaba de começar.

Agradeço ao Fred, meu sempre Fred, sempre ao meu lado incondicionalmente segurando minhas mãos. Sem você, nada disso seria real. Sua calma, carinho e confiança absoluta foram sublimes. Como sempre.

Agradeço a Katia, minha querida doula, um anjo capaz de sentir, olhar, expressar e tocar as maiores sutilezas da nossa alma. Obrigada por me resgatar e me salvar de mim mesma nos momentos mais crucias da minha vida.
Você se tornou parte da nossa família.

Agradeço a MK, cujo olhar e cuja voz são tão serenos e confiantes que me encantaram desde o primeiro momento que a conheci. Sua delicadeza e sensibilidade são perfeitas para a linda vocação que exerce de forma magistral. Muito obrigada por confiar e resgatar minha confiança em mim mesma durante a gestação, o nascimento e o pós-parto do Lucas.

Agradeço a AC , cuja medicina mágica que exerce torna tudo mais simples e natural. Obrigada por cada sábia decisão tomada trazendo nosso bebê ao mundo são e salvo, e por me permitir renascer sã e salva com a experiência da maternidade. Sua certeza que tudo caminhava bem me fortaleceu inimaginavelmente.

Agradeço ao Douglas por receber o Lucas com tanto respeito e pela ilimitada paciência e carinho conosco. Sua competência e excelência nos deram e dão a certeza que nosso bebê teria e terá o melhor início de vida possível.

Dou graças a Deus, por ter confiado em mim a nobreza da maternidade.
Obrigada, Deus, por trazer tantos anjos ao meu encontro. Agradeço-Lhe por sempre iluminar meus caminhos, me permitir enxergar com clareza e derramar sua benção nas nossas vidas. Pai, humildemente peço-Lhe que proteja e guie a trajetória de todas as mães, pais e bebês desse planeta para permitir que
histórias de amor e respeito à vida se repitam infinitamente.
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